quinta-feira, março 15, 2007

A Capitulação I

Eu costumo dizer constantemente, e sem me cansar, que o mundo é mesmo muito irônico. E o é de verdade. Digo isso pela experiência própria de ter vivido uma série de momentos na minha vida em que julgava que nunca iria mudar.

E eu me refiro a uma mudança em sentido profundo; não só exterior, mas, e principalmente, subjetiva, conceitual e, por que não, psicológica. Imaginem que eu já quis ser padre! Sim, padre, aquele funcionário da igreja católica responsável por pregar a “palavra de Deus” aos seus semelhantes. Claro que isso aconteceu quando tinha uns quatro, cinco anos. Era um momento em que eu, criança, não era um indivíduo stricto sensu, mas um títere manipulado pela minha célula familiar cegamente católica apostólica romana.

Obviamente essa idéia não vingou. Na escola, senti os primeiros indícios de que o celibato não era minha vocação. Nossa! Melina, foi o nome da primeira menina de que gostei. Algo platônico. Fui, involuntariamente, forte adepto do platonismo e sofria muito com isso.

Aliada a tudo isso, uma criança bastante solitária em si. Lembro-me de uma vez que, ao encontrar minha mãe na porta da escola, ela me disse o que a professora havia dito sobre a minha pessoa, na reunião dos pais: “ele é muito desligado”. Não entendi. Não compreendia o significado de “desligado”. Imaginava um rádio desligado, ou qualquer coisa que pudesse se associar à palavra “desligado”, mas nada no sentido de “distante” ou “distraído”.

Fui sempre de poucos amigos. O engraçado é que, em São Paulo, conheci nesses poucos meses pessoas mais interessantes e legais do que todos os anos que lá vivi. Ao mesmo tempo em que era elétrico ao brincar, eu convivia, e acho que daí advém a razão do meu acanhamento infantil, com um conjunto de regras muito claramente estabelecidas, regras essas que, se não fossem eficazmente transmitidas pelos meus pais, a escola dava conta de fazê-lo.

Uma escola religiosa. Sim, tínhamos que rezar terços em sala de aula. Eu era o orador oficial das celebrações. Dizia poemas no meio das missas, em homenagem aos padres e personalidades que participavam dos eventos. Mas a Escola não era um colégio de padres. Era comandada por um único, o fundador da instituição que veio a integrar, décadas depois, a rede salesiana de escolas. Monsenhor Carlos Henrique Neto. Pessoa fantástica. Viveu humildemente até o final de sua vida, tendo inúmeras chances de ter enriquecido. Se há uma personagem religiosa que respeite, essa é a figura humana do Padre Carlos.

Cresci nesse ambiente. Rigidez, controle, limites muito bem estabelecidos. Me configurei, no entanto, num menino muito extremista em tudo que fazia. Cheio de preocupações com respeito às regras que sempre me foram impostas. Imaginem que, até os 15 anos, não conseguia admitir a idéia de sexo antes do casamento.


Mas não era nenhum Caxias. Pelo menos não me via assim. Durante o Ensino Fundamental, fazia de tudo para ser discreto e manter uma reputação idiota que eu julgava importante. Ficava na biblioteca todos os recreios, junto com uma pequena turminha de nenhuma personalidade. Adorava a coleção de fascículos sobre mitologia grega; a coleção Vagalume, que li todinha; os dicionários de italiano, de onde eu tirava traduções toscas para os provérbios brasileiros visando depois impressionar meus tios com o novo vocabulário. Pólo e All Star eram artigos obrigatórios nas minhas ocasiões extra-classe. All Star porque sempre gostei da variedade de cores com que a gente pode combinar - apesar de preferir o vermelho e o azul escuro -; já a pólo, achava que aquela golinha me dava um ar de “menino sério”.

O que eu não imaginava é que minha vida mudaria tanto. E isso teve como fagulha inicial uma conversa que um professor teve comigo, logo depois que entrei no Ensino Médio. “Você precisa ser mais sociável! Quando for trabalhar em uma empresa terá que conviver com uma série de pessoas, mesmo que sejam diferentes de você”. Eu gostei dessa conversa, não pelo lado da empresa, mas porque me fez enxergar uma nova perspectiva de vida. Uma vida mais aberta, mais fluida, menos auto-belicosa. Comecei então a me aproximar mais dos colegas da minha sala. Descobri uma maneira fantástica de ter amigos, de fazer amigos, coisas que até ali acho que não conhecia.


Continua amanhã...

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