segunda-feira, julho 16, 2007

Cativeiro social

Aos cinco anos, estava no auge do apego à minha família. Particularmente à minha mãe, que me pôde mimar o máximo que desejou, moldando-me a todas as suas convenções, padrões e, principalmente, a todos os seus medos. É, aprendi a ter medo. Medo de tudo e, muitas vezes, de todos. Medo da rua, dos estranhos, do mar, da avó... Medo de mim.

Será mesmo o medo um instrumento eficiente na educação do ser humano? No mundo animal, o instinto assume esse papel, funcionando como guia em situações de perigo. No nosso caso, um enfraquecimento dessa irracionalidade instintiva ou ainda um desenvolvimento da complexidade racional originaram essa estrutura social densa e cheia de meandros, a qual, por mais que possa ser combatida, parece ser dotada de vida própria, aniquilando os que contra ela se revoltam.

As pessoas no mundo de hoje estão pressionadas por todos os lados que possam imaginar. O nascimento já pressupõe a primeira das pressões. Da barriga, o indivíduo é integrado a um grupo já determinado de pessoas, a família, ao qual deve se submeter de maneira incrivelmente subserviente. As pulsões, os desejos mais internos e as necessidades mais subjacentes são tolhidos por essa célula social, numa dimensão mais modesta, e pela grande e poderosa máquina coletiva, num âmbito mais amplo. Essa, por sua vez, adestra os indivíduos norteando-se pelos códigos que julga ser, valoradamente, os mais "justos" ou "corretos". Não entremos, no entanto, no mérito das ideologias ou das diversas correntes sociológicas.

Na busca pela ordem social ou talvez pelo medo do incerto - ou ainda por outras razões muito mais profundas -, o homem desenvolve modos de vida que acabam por anular a sua própria condição de liberdade. As estruturas responsáveis pela manutenção desse "direito de ser livre" acabam, paradoxalmente, envergando-se contra si mesmas, de modo a apunhalar as formas mais puras de felicidade e realização.

Na intenção, muitas vezes cega, de se respeitar uma configuração de normas pré-estabelecidas - julgadas por muitos como naturais -, pessoas vestem-se de "justiça" e arbitram sobre assuntos que não lhe dizem respeito. Elas, numa atitude covarde e egoísta, guardam para si o direito de opinar sobre a vida alheia e, num ato absolutamente cruel, ousam deliberar sobre a felicidade do outro, como se a pudessem conceber mais do que a própria pessoa.

Crueldade isso! Crueldade tolher a vida do outro como se ele tivesse várias vidas para viver! Como se ele pudesse voltar e viver uma série de novas existências! Como se felicidade fosse algo determinado social e racionalmente, deliberado em convenções, fundamentado por livretos ridículos e oralidades viciadas...

Por que a preocupação com o outro não está associada às suas condições de vida? Por que se julga tanto ao invés de se ajudar ao próximo, num ato que muito mais efeito surtiria? Com ações que poderiam melhorar um pouco desse mundo sujo e infernal em que ousamos viver?

O homem acaba sendo capturado por suas próprias armadilhas. Nessa atmosfera narcotizante, as pessoas vivem como em "Alphaville", onde a palavra "consciência" é proibida. São seres restritos ao pequeno mundo ao qual foram submetidos, sem a capacidade de enxergar além dos seus limites; pessoas “ignorantes” no mais literal dos seus significados.

Por que a felicidade não pode ser decidida individualmente? Por que tem de ser fruto de consenso e aprovação social? Por que grandezas como o amor, a virtude e a arte não podem ser vividas e realizadas como são sentidas no seu cerne pelas próprias pessoas que têm o privilégio de as encontrarem?

Por que o mundo é essa redoma inexorável e angustiante que insiste em impedir a manifestação das qualidades que justamente tornam o humano esse ser tão singular e ávido pelo novo? Por quê?

2 comentários:

LeLê disse...

Indiscutível isso! O mundo seria realmente melhor se olhássemos o outro e conseguíssemos ver além do que tem ou não tem...
Beijos lindo
Te Amo!

Guilherme Genestreti disse...

É verdade, Lelê... Se todo mundo passasse a cuidar somente dos próprios problemas e deixasse o resto do mundo em paz.... Excelente texto.