O desfile do "papa-móvel" parece a contemplação medieval das relíquias sagradas. Só falta pagar. E as pessoas acreditam no poder santo daqueles cabelos brancos. Ele é tão sereno. Passa uma paz tão grande, só poderia mesmo ser um representante divino.
O rubro acetinado misturado à túnica alva constituem o figurino das celebridades. Como adorno e signo de afirmação, os espessos cordões de ouro, cada um com uma polpuda cruz, pendem nos pescoços sagrados.
Tudo isso é muito lindo! E uma grande festa!
Pena que é tão falsa. Falsa, alienante e, muito mais do que isso, hipócrita. Como uma igreja que nunca se libertou dos luxos e regalias dos quais sempre dispôs pode dar pitaco na vida alheia! Como alguém que mal come pão da menos vagabunda farinha pode falar de combate à fome? E o dinheiro movimentado pela própria igreja com a vinda do seu mais alto representante? Não conta? E o dispendioso cerimonial que o Vaticano sustenta para que todos babem, mas babem com conforto – é necessário frisar –, nas saias do grande pontífice?
A igreja continua a mesma. Salvo algumas transformações, que existencialmente teriam que ocorrer para que ela se mantivesse, continua a mesma. Mas a imagem do indivíduo alienado olhando a figura do papa, hoje, é absolutamente a mesma de séculos atrás.
E a sociedade também não mudou muito. O cerne fundamentalmente é o mesmo. Aliança entre Igreja e Estado na época moderna. Aliança entre Igreja e Estado na atualidade. O paralelo é evidente. E é absolutamente ridículo que, no século XXI, ainda não tenhamos um Estado verdadeiramente laico. Não são somente os inúmeros símbolos do cristianismo que presenciamos em Brasília que nos evidenciam isso. A recepção exageradamente dedicada dos nossos representantes políticos ao chefe da igreja católica deixa-nos bem claro que o Estado brasileiro não respeita a liberdade individual e, muito menos, zela pela igualdade dos seus cidadãos. Mais do que incoerência, isso se constitui numa tremenda falta de respeito aos outros credos.
Quando, aos treze anos, presenciei em uma missa a reserva de lugares a políticos da cidade, deixando, de pé, velhos senhores e senhoras, tive a certeza de que tudo aquilo ali era banhado por muita coisa errada, muita coisa superficial. Eu me revoltei no meu pequeno âmbito, mas a minha família, com essa mesma postura de alienada, me condenou. Afinal, a igreja deveria ter alguma razão para aquilo.
O mais cruel é a sensação de, ao lermos a história dos séculos anteriores, pensarmos que vivemos em uma realidade bastante diversa. A igreja ainda continua com o seu pedantismo interventor e o Estado, encabeçado por uma elite ávida por se manter no topo, ainda busca o apoio da religião. A retórica da igreja ainda é bastante eficiente. O papa, coitado, condena o aborto. E, enfaticamente, diz que "a fé salva". Salva sim. Salva a igreja da sua derrocada definitiva. Mas... Viva o papa!
Fica a reflexão.
2 comentários:
HUAHUAHUAHAHA!!! Contundente e preciso! Isso não é o tipo de texto pra se discutir em jantar de família. Por isso que eu goseti mais ainda dele!
Como dizia Althusser, a mídia, a educação e a Igreja são os principais aparelhos ideológicos do Estado, na medida em que geram as estruturas psíquicas de que o poder necessita para manter o status quo.
Veio também um refrão da Elis Regina...
"Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo
que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos...
Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais"
Putz...divaguei bastante,rs..
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