domingo, abril 22, 2007

Indecência

No último sábado, fui prestigiar a mais nova estréia do TUSP: Abajur Lilás. Peça de Plínio Marcos, mereceria um post só pra ela. Mas não é o meu objetivo nesse caso. O que quero apresentar aqui é algo que não deixa de ser asqueroso e cortante como o seu texto, algo que me aconteceu no hall de entrada daquele teatro.

Ao entrar, perguntei ao segurança onde estavam sendo vendidas as entradas. Ele então me indicou a direção do guichê, para onde eu me dirigi. Só que, ao perguntar, um rapaz, que estava com uns malabares, intercedeu e disse algo que não me recordo, mas que era referente ao espetáculo. Outras pessoas ali presentes ouviram e disseram que não era nada ofensivo. Era apenas uma informação.

Ao pegar meu ticket, ouço alguns ruídos de inquietação. Eu, que sou eu, não ficaria ali sem saber do que se tratava. Fui até o hall e presenciei umas das cenas mais violentas da minha vida, se não a mais violenta. Os seguranças, em número de três, estavam sufocando e conduzindo o menino para fora do prédio. Eram três homens já de uns 40 ou 50 anos agredindo um menino da minha idade, um menino que havia comprado sua entrada para ver teatro e, por que não de alguma forma, o espetáculo da sua própria vida.

Alguns minutos depois, a polícia chegou e quis ouvir a versão de cada um. Eu e os que estavam ali no hall ficamos só observando qual seria o teor do discurso do agressor principal. Primeiro ele disse que o garoto estava "fazendo barulho" com seus malabares e atrapalhando a peça que estava sendo encenada embaixo. Duas mentiras. Os malabares não eram nada de mais e não faziam barulho e não havia nenhuma peça em apresentação. Depois o segurança alegou que o menino havia mentido sobre a compra do ingresso, uma vez que a entrada era gratuita. Outra mentira. Não era gratuita e o menino estava correto.

Eu olhei aquilo e me revoltei muito. Estava presenciando uma mentira deslavada. Algo que eu havia presenciado e que tinha absoluta certeza da injustiça cometida contra o menino.

Comecei a conversar com uma mulher que ali estava, acompanhada de seu marido, e comentei sobre o ato violento do segurança. Nós estávamos indignados. Ela então disse: "Vamos lá contar ao policial a verdade". O marido dela, provável marido, quis impedi-la, alegando que nada ia adiantar. Eu, e sinto muita vergonha desses três segundos de hesitação, hesitei num primeiro momento. Só que, ao olhar para o menino e pensar no que havia visto, na injustiça que havia presenciado, naquele ato que representava apenas uma das inúmeras injustiças cometidas com essa camada excluída, me lembrei do que meu pai sempre me fala, algo que meu avô já dizia: "Você é um homem ou um rato?".

Aquilo me pegou de jeito. Eu saí dali com a mulher e fomos dizer ao policial sobre o que havíamos preseciado. Um outro menino ali presente completou os discursos das testemunhas. O policial então aconselhou o rapaz a prestar queixa. No entanto, nem documento ele portava.


O que aconteceu depois não ficamos sabendo bem ao certo. A entrada foi liberada e todos entramos para assistir à peça. Mas o mais irônico é que no espatáculo da violência ou no espetáculo do Plínio Marcos uma só questão latejou naquele espaço: a exclusão. A exclusão que era encenada ali no andar de baixo, como ficção, tinha se manifestado, como realidade, ali, dois metros acima.

Mas a ironia não termina por aí. Na surrada parede daquele prédio histórico da Maria Antonia, pendia uma também surrada placa de mármore, já bastante encardida pelo tempo. Algo bem simples que dizia: "Homenagem aos que combateram a ditadura".

Um comentário:

Guilherme Genestreti disse...

É, Rido... Você me contou pessoalmente tudo isso. E lendo aqui, tudo adquire um contorno ainda mais triste. Engraçadas essas coincidências: a placa homenageando a resistência à ditadura, o teor da crítica do Plínio e a realidade lá fora...